O que ganho em respeitar as regras de trânsito?
Sem um bom exemplo, brasileiro não sabe seguir regras. O trânsito sofre reflexo dessa incapacidade.
O desrespeito às leis do trânsito é o reflexo mais visível da cultura de não seguir regras sociais do brasileiro. E a dificuldade em andar na linha tem motivo é simples: nós não compreendemos ou não confiamos nas normas. Para piorar, quase não há referências de bom comportamento e o aparato público não supre a demanda do coletivo em sua diversidade, levando as pessoas a tentarem garantir as suas individualmente.
Para a doutora em psicologia pela USP Gislene Macêdo, por exemplo, não há lógica em obedecer as leis no Brasil por causa da má reputação delas. “Não podemos faccionar o comportamento para o trânsito. Ele acontece em todas as instâncias. Não o vejo como um infrator, mas alguém que não vê diferença entre fazer o certo e o errado naquele momento”, polemizou. “A multa não estabelece a atitude correta como algo de valor. É preciso educar, mas se oprime, em vez disso. Sem educação a transgressão aumenta junto com a opressão. O efeito é o contrário.”
Macêdo cita ainda que inúmeros autores teorizam legislações complexas revelam um diálogo empobrecido naquela sociedade. “O aprendizado surge justamente desse diálogo. O professor ensina a criança que parar em fila dupla é errado e ela reconhece a atitude do pai, por exemplo, já que eles comumente cometem a infração ao deixar os filhos na escola. De uma conversa pode surgir uma nova atitude.”
Investir na educação dos próprios agentes de trânsito foi uma das primeiras ações do ex-prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa, responsável por uma revolução positiva na mobilidade da capital colombiana. “Enxergando o que é errado, os habitantes passaram a sentir que a cidade os pertencia e começaram a fiscalizar o outro”, analisou o urbanista Eduardo Pires.
“Em muitos lugares os guardas ou policiais param o condutor e educam, explicando o que está errado. Aqui, não fazem esse papel. O motorista age de maneira correta apenas para não ser multado, mas não entende o real motivo. Então, em oposição a Bogotá nós temos o homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda. Aquele que encoberta o erro do próximo para que também possa cometer a infração.”
Além de educar, o Estado deve oferecer subsídios para que os condutores tenham uma alternativa a infração. É estéril esperar que se cumpra a lei só por ela ser lei. Afinal, as pessoas têm motivações, exigências e urgências diversas. “Se não há um sistema de trânsito organizado, em que as necessidades são observadas em sua diversidade, não se pode esperar que as regras sejam cumpridas”, analisou a doutora em psicologia do trânsito pela UFES Andrea Nascimento.” As pessoas continuam a beber e dirigir independente da fiscalização.
Também porque não foram educados, mas porque não há como voltar para casa de maneira segura e barata, por exemplo. Nesse sentido, em geral, o ciclista age com o pedestre da mesma maneira que o carro age com ele. As infrações cometidas para tirar vantagem em cima de outro veículo são potencializadas por falta de infraestrutura.”
No fluxo
Infrações simples como parar na faixa de acesso, não sinalizar antes de convergir, trocar de faixa contínua, têm o mesmo impacto. Elas influenciam diretamente no fluxo de trânsito da cidade. “A fiscalização mal consegue dar conta das infrações que relacionadas a acidentes com morte, sempre em foco. Não se atende, por isso, a essas infrações que fazem o trânsito travar o tempo todo. São multas que intensificam o problema já existente, causado pela quantidade de carros maior que aquele que a cidade suporta. Mas quando um motorista escolhe uma sombra para esperar o semáforo abrir e há dez metros livres à frente, ele tem influência sobre o carro que está fechando o cruzamento lá atrás, causando um nó. Cansei de flagrar a CTTU passando por carros parados na via. Esses que ligam o alerta e descem para ir buscar algo em um prédio ou uma loja. O impacto disso no fluxo é grande, mesmo que seja ‘rapidinho’. Por outro lado, o interesse dos fiscais em resolver o problema é bem pequeno.”
Fonte: Acesse o site da FolhaPe